A empresa carioca Critical Studio anunciou o encerramento de suas
atividades em seu site oficial, no dia 2 de outubro. A companhia ganhou
destaque no mercado nacional com o jogo DungeonLand,
produto 100% brasileiro que alcançou o top 10 da loja virtual Steam.
Para falar sobre o fechamento do estúdio, a coluna Geração Gamer, do
TechTudo, conversou novamente com o desenvolvedor Marcos Venturelli.
Os heróis de DungeonLand
Um jogo na casa dos milhões
“A gente infelizmente não tem liberdade para divulgar números de
DungeonLand porque eles não são só nossos. Eles envolvem a Paradox
Interactive também”, diz Marcos. No entanto, o desenvolvedor nos
adiantou que o projeto chegou à casa dos sete dígitos, ou seja, custando
cerca de um milhão de reais. Vale ainda ressaltar que o game foi criado
por apenas 12 pessoas em dois anos de desenvolvimento.
Marcos Venturelli
“DungeonLand foi um projeto razoavelmente barato para padrões
internacionais, mas provavelmente um dos mais caros de todos os tempos
aqui no Brasil", diz o designer de games. Venturelli revela ainda que,
antes do apoio da Paradox, os desenvolvedores trabalhavam apenas ‘por
amor’. "Cada um dava um jeito de sobreviver enquanto o jogo não estava
apresentável”.
Sobre a experiência adquirida na empresa, Marcos Venturelli comenta:
“Eu acho que devo demais à Critical. Para mim, foi uma escola incrível
que me ensinou muitas lições que vou levar tanto para a minha vida
profissional quanto para a pessoal, além da montanha de conhecimento
técnico que todos nós acumulamos em quase quatro anos”. Em comunidades
privadas no Facebook, como a Boteco Gamer, mais de 160 comentários foram
feitos sobre o fechamento do estúdio. Muitas das mensagens revelaram
apoio ao grupo de desenvolvedores que perdeu o emprego e lamento pelo
fim da empresa.
A culpa da situação do mercado nacional de jogos
Mesmo com um projeto milionário, a Critical Studio foi obrigada a
fechar as portas. “Colocar DungeonLand para fora da porta nos custou
muito caro em suor, sangue e lágrimas. Ao invés de merecidas férias,
tivemos dois projetos cancelados ao longo do ano, por motivos diversos.
Nossa realidade financeira nos obrigava a seguir adiante em um modelo de
publicadora, já que conseguir financiamento privado ou governamental no
Brasil para projetos na escala da Critical parecia impossível”, disse
Marcos no comunicado oficial da empresa.
DungeonLand, o jogo milionário da Critical Studio
Ao ser questionado sobre o papel do governo e da iniciativa privada no
fechamento da Critical Studio, Marcos comenta: “Acho que existe mais boa
vontade e interesse do governo brasileiro hoje do que nos últimos anos.
Se isso é suficiente ou não, acho complicado de dizer. Acaba ficando
uma situação estranha de ‘ovo e galinha’, porque o governo não investe
mais porque não há uma indústria forte para receber esse investimento, e
a indústria não está forte porque o governo não investe”. No entanto, o
desenvolvedor também afirma que existem problemas relevantes entre a
iniciativa privada e o mercado nacional de games. “A maioria dos
recursos destinados a startups de software e tecnologia são mixaria para
projetos de jogos de porte médio ou grande, como era o caso da Critical
Studio. Se você vai fazer um jogo mobile ou web, um investimento na
casa dos 100 mil reais não é de se jogar fora. Na Critical a gente
queimava isso em dois meses”, revela o especialista.
Segundo o depoimento de Marcos Venturelli, o empresariado brasileiro
ainda tem uma visão equivocada sobre os jogos digitais como um produto
de consumo rentável e importante para o desenvolvimento do país no setor
de tecnologia. “Os investidores daqui não têm experiência prévia em
investimentos deste tipo e vão levantar a sobrancelha até o teto quando
você falar o quanto o projeto realmente custa”.
DungeonLand
No entanto, ao apontar o problema dos investimentos, Marcos não deixa
de ressaltar a alta carga tributária do país: “É claro que não podemos
esquecer do infame custo trabalhista no Brasil. Acho completamente
absurdo ter que contratar um knowledge worker com as mesmas regras e
taxas de alguém que contrata um operário de fábrica. Pra você pagar um
salário de R$ 3 mil para um programador hoje você gasta R$ 6 mil. Tanto a
empresa, quanto o profissional saem perdendo no negócio”.
Para o desenvolvedor, os investidores precisam entender que, apesar dos
altos riscos, o mercado de games trará benefícios a longo prazo. A
visão imediatista corta o fluxo de verba que poderia alimentar projetos
interessantes internacionalmente. “O papel do governo também deveria ser
o de facilitador para os empreendimentos na área. Jogar dinheiro na
cara da indústria hoje esperando bons resultados não vai adiantar, pois
não temos maturidade para lidar com isso ainda. O que precisamos é de
‘dinheiro para errar’. Empreender em jogos hoje no Brasil é um risco
altíssimo, mas necessário”,
diz o criador de games.
O melhor dos mundos para os designers de games seria uma combinação de
uma postura favorável do governo e ousadia da iniciativa privada, que
ainda se mostra conservadora. “A saída é diferente dependendo do tamanho
do projeto. Para empresas estabelecidas, como era a Critical e como são
hoje a Aquiris ou a Behold, o governo precisa tirar os obstáculos da
frente e deixar esses caras fazerem o que fazem de melhor. Isenção de
impostos, custos trabalhistas mais baixos para a área e vias para buscar
financiamento público e privado de diversas fontes diferentes, da mesma
forma que a Ancine faz pelo cinema nacional", explica o desenvolvedor.
Ainda seguno Marcos, nenhum investidor brasileiro dará sozinho dois
milhões de reais para a criação de um jogo, mas uma combinação da Lei
Rouanet/Lei do Bem com uma campanha forte do governo para estimular
empreendedores e potenciais investidores é a solução. Sendo assim, uma
consolidação da indústria brasileira levaria cerca de 10 a 15 anos para
se concretizar.
O fim da Critical Studio e os novos negócios
Mesmo sem dinheiro para manter a cara estrutura da Critical Studio,
Marcos Venturelli ainda se mostra otimista quanto ao seu futuro no
desenvolvimento de jogos e revela um novo empreendimento a caminho. “A
única empresa criada até agora a partir da Critical é a minha, que se
chama Rogue Snail. Devo anunciar tudo com mais calma assim que estiver
com todas as coisas no lugar, mas a ideia inicial é terminar um dos
projetos da Critical que haviam sido cancelados. Depois, vamos partir
pra novos jogos”, conta o desenvolvedor, em primeira mão ao TechTudo.
Outras iniciativas devem ser elaboradas por ex-membros da Critical
Studio, o que mostra que o cenário para pequenas empresas de games
continua favorável no país. “O Gabriel Teixeira, que fez toda a arte 3D e
animação em DungeonLand, está trabalhando no Warmachine Tactics. Vários
ex-Criticals estão disponíveis pra freelance, como os talentosíssimos
Raphael Müller, que é designer de som, Felipe Magalhães, artista
conceitual, e Erica Milhomem, artista de texturas”, explica.
Rodrigo Motta, o desenvolvedor de Xilo,
deixou uma das mensagens mais abrangentes sobre a importância da
empresa de Marcos nos últimos anos: “DungeonLand, na minha opinião, é o
jogo brasileiro mais importante até agora. Acompanhar a trajetória da
Critical também foi algo extremamente valioso para todos do mercado de
games brazuca (sic). É bom saber que nenhum de vocês vai parar e ter a
certeza que ‘dividir para conquistar’ será aplicado aqui. Vocês fizeram
história galera e continuarão sendo exemplo pra todo mundo”.
Despedida na Super BR Jam
Para não fecharem suas atividades com tristeza, os membros do Critical
Studio estão promovendo o evento Super BR Jam, com apoio de algumas
empresas. A proposta é reunir cerca de 30 estúdios de desenvolvimento
para uma maratona de 48 horas de criação de jogos.
DungeonLand
“A ideia da Jam é celebrar a maturidade e união da nossa cena atual de
desenvolvimento de jogos. Acredito que vivemos o melhor momento da nossa
indústria na história, por diversos motivos", afirma Marcos. O
especialista compara a realidade atual com a de seis anos atrás, quando
começou a se envolver seriamente com desenvolvimento de jogos. Segundo
ele, as empresas trabalhavam isoladamente e existiam poucos casos de
sucesso, pouca troca de informação, e um sentimento generalizado de
competição entre os desenvolvedores. "Isso seria engraçado se não fosse
trágico, visto que a grande maioria dos jogos produzidos era de péssima
qualidade”, diz Marcos Venturelli.
Marcos justifica seu otimismo na melhora da qualidade dos jogos
brasileiros, na maior interação entre os especialistas do assunto e nas
novas trocas de experiência. Se a Critical Studio foi capaz de fazer um
jogo de um milhão de reais, o desenvolvedor acredita que, com mais
mudanças, mais companhias serão capazes de realizar tal feito no Brasil.





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